
História da Psicologia
Antes da Psicologia
Já desde o início dos tempos, o ser humano possui uma fome insaciável pelo conhecimento, o que nos leva a pesquisar e a experimentar das mais diversas formas para descobrirmos o que nos rodeia. Esta vontade de aprender e descobrir levou muitas das grandes mentes da antiguidade a tentar explicar o funcionamento do cérebro e as suas atividades. No caso da mente, muitas culturas ao longo da história têm tentado desvendar os mistérios do cérebro, da mente, do espírito, dos sentimentos, etc.
No antigo Egito, foi criado um manuscrito, denominado de "papiro de Edwin Smith", este contém informação medicinal da época, que ia desde tratamentos espirituais, até tratamentos reais de feridas e cirurgias. Ao contrário de muitos outros documentos desta era que não possuem tanta informação real, uma vez que eram focados em rituais para libertar a alma e afastar espíritos malignos, este manuscrito segue uma direção mais ligada à realidade e apenas dois tratamentos de cinquenta estão ligados ao sobrenatural, sendo este o primeiro documento conhecido dedicado ao tratamento de traumas. O mais interessante neste manuscrito é o facto de possuir descrições do cérebro e especulações em relação às suas funções.

Desde a antiga Grécia até ao tempo dos romanos, foram criadas várias teorias por parte dos grandes filósofos destes tempos, sendo que a psicologia era tratada como uma das muitas matérias da filosofia. Uma destas teorias foi criada por Platão, a "Teoria Tripartida da Alma" e defendia que existia uma essência em cada pessoa e que esta estava dividida em três partes, Logos (localizada na cabeça, é a parte relacionada à razão, sendo também a parte que regula as outras duas), Thymos (localizada no peito, é a parte relacionada ao ego, e emoções) e Eros (localizada no estômago, é a parte relacionada aos desejos carnais), esta teoria está também relacionada com as três classes da sociedade, os governantes (Logos), os militares (Thymos) e os cidadãos comuns (Eros). Outro grande nome, Aristóteles criou um artigo referindo a sua teoria no assunto "Da Alma" ("De Anima"), nela é dito que cada ser vivo possui um tipo diferente de alma, que não pode existir sem um corpo, relacionada ao tipo de diferentes atividades que este pode realizar, por exemplo, uma planta pode-se reproduzir e alimentar, enquanto que um animal comum possui perceção e pode mover-se, possuindo então uma alma mais completa.


Noutros lugares do mundo, como na Ásia, um monge chinês chamado de Lin Xie deu início a uma experiência, no século VI, em que se pediu a várias pessoas para desenharem um círculo com uma mão e um quadrado com a outra, de modo a testar a vulnerabilidade das pessoas à distração. Na Índia, acreditava-se que a mente tinha 5 partes, os manas (mente inferior), ahankara (individualidade), chitta (bando e memória), buddhi (intelecto) e atma (alma).
Fora estes exemplos, existem muitas outras culturas e países que criaram teorias ou realizaram estudos sobre a mente e o cérebro. Podemos então dizer que a psicologia esteve relacionada com praticamente todas as culturas do nosso mundo e que, apesar do campo científico da psicologia ter surgido apenas em 1879, as antigas sociedades já tinham teorizado sobre os vários processos do cérebro e da mente.
Criação do pensamento psicológico
O início do pensamento psicológico surgiu, como muitas outras ideias, durante o renascimento (séculos XIV a XVI). A palavra "psicologia", é inspirada das palavras do latim, "psyque", que significa mente, e "logos", que significa "conhecimento", a sua etimologia foi atribuída ao filósofo alemão Rudolf Göckel no seu livro "Psychologia hoc est: de hominis perfectione, animo et imprimis ortu hujus, commentationes ac disputationes quorundam theologorum et philosoprum, nunc corr. et auct" em 1590. Este termo foi depois mais popularizado nas obras "Psychologia empirica" (1732) "Psychologia rationalis" (1734) de Christian Wolff.
Relativamente ao pensamento psicológico em si, este foi muito influenciado pelo filósofo René Descartes (criador da famosa frase do cogito "penso logo existo"), através das suas análises anatómicas a cadáveres tanto animais quanto humanos, que o permitiram tirar a conclusão de que o corpo é algo capaz de se mover sem a alma, pois na visão de Descartes, neste contexto a alma apenas auxiliaria no raciocínio e pensamento. Além deste, o doutor Thomas Willis também influenciou muito o avanço da visão da psicologia como uma cadeia da medicina, através da sua obra "De anima brutorum quae hominis vitalis ac sentitiva est: exercitationes duae" (1672) e dos seus estudos anatómicos que o levaram a considerar uma possível ligação entre o cérebro e a psicologia.


Outros avanços na psicologia são referentes ao inconsciente, isto é, os processos mentais que ocorrem involuntária e automaticamente, como as memórias e os interesses.
Comicamente, o mesmerismo (força que teoricamente era possuída por todos os seres vivos e que tinha efeitos curativos, entre outros) popularizado por Franz Mesmer em 1770 até ser considerado como uma farsa pelas pessoas da época, foi mais tarde desenvolvido por um padre indo-português Abbé Faria, que levantou o interesse do público ao ligar os tais poderes curativos com a mente no contexto da cooperação e expectativa do paciente com o curandeiro.

Outras pseudociências como a frenologia (teoria que defende que os potenciais cerebrais e mentais de uma pessoa podem ser analisados através da forma do crânio), uma teoria criada por Franz Josef Gall e que se baseia na crença de que o cérebro está dividido em partes que contêm e são responsáveis pelas nossas habilidades mentais humanas como a linguagem, habilidades espaciais e conceitos como o amor, orgulho, etc. Para Franz, o tamanho de cada parte do cérebro responsável por uma determinada habilidade se traduziria numa maior intensidade dessa habilidade. Claro que, apesar de errado como foi comprovado por cientistas como Pierre Flourens, esta ideia de frenologia, tem até que uma ponta de verdade e está de acordo com alguns aspetos do que se acredita hoje em dia sobre a estrutura do cérebro, o que demonstra o avanço do pensamento psicológico com o tempo.

Além destas pseudociências, o desenvolvimento da psiquiatria que se deu entre os séculos XVIII e XIX também esteve relacionada com o avanço da psicologia. Este avanço consistiu no reconhecimento e na análise da origem patológica das doenças mentais, isto é, começou-se a reconhecer que as doenças mentais podem estar relacionadas a problemas biológicos. A partir de então, os médicos começaram a descrever as condições clínicas e as ligações que estas tinham com a doença mental.
Outros grandes avanços como a descoberta da distinção entre nervos motores e sensoriais, por parte de Charles Bell e François Magendie; a descoberta de partes do cérebro dedicadas à linguagem, por Pierre Paul Broca e Carl Wernicke; a descoberta e subsequente localização de áreas motoras e sensoriais do cérebro, por Gustav Fritsch, Eduard Hitzig e David Ferrier, culminaram na divisão da psicologia da filosofia e da sua subsequente ascensão a ciência independente.


Apesar destes avanços no estudo da mente humana, ainda existiam diversas dúvidas em relação à ascensão da psicologia a ciência independente. Existiam até mesmo famosos pensadores como Immanuel Kant que levantaram a possibilidade da psicologia não se poder tornar uma ciência exata porque, segundo ele, os seus fenómenos não podiam ser quantificados, entre outras coisas. No entanto, isto não impediu a evolução da psicologia enquanto ciência, como veremos a seguir.
Filosofia enquanto ciência independente
No ano 1873 foi publicado um livro chamado de "Principles of Physiological Psychology", sobre a autoria de Wilhelm Wundt, neste livro Wundt escreveu sobre as conexões entre a fisiologia e comportamentos/pensamentos humanos que este tinha encontrado durante os seus estudos sobre o tempo de reação dos humanos. Mais tarde, por volta de 1879, Wundt abriu o primeiro laboratório de psicologia do mundo, marcando assim o início da psicologia como uma ciência independente, o que lhe garantiu o título de "pai da psicologia" para muita gente hoje em dia. Para Wundt a psicologia consistia no estudo da consciência humana e este procurava exercer métodos experimentais para estudar processos mentais internos, estes davam-se através da introspeção (na psicologia é a divisão e redução da consciência em menores partes para o seu estudo), um método que hoje em dia é considerado obsoleto. Devido à utilização da introspeção, podemos dizer que Wundt era um estruturalista.
Apesar de, como já referido, a introspeção ser um método obsoleto na psicologia, este demonstrou que os processos mentais podiam ser quantificados. Demonstrando assim a viabilidade da psicologia como uma ciência independente.

Após Wundt, um dos psicólogos mais importantes que surgiu foi William James, recebendo até mesmo o título de "pai da psicologia dos Estados Unidos", devido aos seus famosos trabalhos e ao livro que publicou "The Principles of Psychology ". William foi um dos fundadores do funcionalismo (na psicologia, consiste na ideia de que os nossos processos mentais surgiram e desenvolveram-se porque eram funcionais, à semelhança de características físicas na evolução), que tinha por base ideias darwinistas. Esta teoria estava mais ligada à análise da importância da consciência para o nosso dia a dia do que a predecessora, pois dizia que até mesmo os nossos comportamentos diários estão relacionados com a nossa evolução, no contexto em que surgiram ao longo da nossa evolução, para assegurar a nossa sobrevivência.
Esta teoria evoluiria mais tarde para a "psicologia evolutiva", um ramo de estudo científico dedicado a tentar explicar processos psicológicos como a perceção, linguagem, memória como produtos da nossa adaptação evolucionária.

De todos os antigos psicólogos, um dos pode ser considerado o mais famoso/influente é o médico Sigmund Freud, que através do seu livro "The Psychopathology of Everyday Life" explicou como os pensamentos inconscientes e impulsos são expressos através de ocorrências como os "tiques nervosos". Ao contrário dos seus contemporâneos, Freud deu ênfase ao efeito do inconsciente no nosso comportamento. Esta ideia surgiu-lhe por base nos seus tratamentos a algumas pessoas com problemas mentais como a histeria, em que, por não terem uma causa física, fizeram-no teorizar numa possível causa com origem na mente. Para Freud o inconsciente (parte da mente a que "não temos acesso" e onde a maior parte da nossa vida psíquica se desenrola) é a parte da nossa mente onde colocamos, entre outras coisas, as nossas ideias e desejos maliciosos, através da repressão ou recalque (processo pelo qual ideias consideradas repugnantes são eliminadas da mente consciente) e que as desordens mentais dão-se pela falha da mente em reprimir completa ou parcialmente estes pensamentos, que também se podem exprimir de forma subentendida em sonhos. Segundo Freud a personalidade é também muito influenciada pelas nossas experiências na juventude e que, caso existam desordens mentais, estas surgiram de acontecimentos que ocorreram na nossa juventude.

Freud fundou então a psicanálise, uma teoria que pretende explicar o funcionamento da mente humana e que pode ser usada como um dos métodos para tratar diversos transtornos mentais. Os termos essenciais da psicanálise são: o inconsciente, como referido; o ego (parte organizada do sistema psíquico que entra em contato direto com a realidade); o id (pulsões e desejos inconscientes, estes são mediados pelo ego seguindo os imperativos do superego); o superego (autoconsciência moral); a pulsão (representa os estímulos que se originam no organismo e alcançam a mente em forma de desejos insaciáveis); os sonhos; Complexo de Édipo (nome dado ao fenómeno em que cada criança desenvolve entre os seus dois a cinco anos de idade, este é referente à predisposição a indivíduos do sexo oposto).

Além da psicanálise de Freud, mais tarde, surgiu também a teoria do behaviorismo/comportamentalismo. A ideia para esta teoria foi originada pelo psicólogo russo, Ivan Pavlov, que ao analisar comportamentos de cães em relação ao som de um pito antes e após o associarem com comida. Isso levou à descoberta da diferença entre estímulos gerados pelo ambiente e aqueles que surgem naturalmente.
O comportamentalismo foi então popularizado e desenvolvido por John B. Watson, mais ou menos entre o início do século, que "torna o comportamento numa ciência" e deixa mais de lado o estudo da mente inconsciente, pois, segundo John B. Watson, é impossível conhecer o que a nossa mente inconsciente pensa de uma forma real e objetiva, logo é mais favorável analisar os comportamentos observáveis. Segundo John, as pessoas podem ser totalmente condicionadas e obrigadas a agir de determinadas maneiras através de eventos externos antigos, sugerindo então que o livre-arbítrio é apenas uma ilusão.
Além de John, um outro psicólogo que influenciou o comportamentalismo foi Burrhus Frederic Skinner (B.F. Skinner), que acrescentou a ideia de punição e reforço (ideia de que se formos recompensados a agir de uma determinada maneira, estamos mais sujeitos a fazê-lo de novo, o contrário acontece com a punição) à teoria.

Na segunda metade do século XX, surgiu uma visão mais humanista e que ia contra alguns aspetos do Behaviorismo e da psicanálise, ficando conhecida até mesmo como uma das "três forças da psicologia", juntamente com o behaviorismo e a psicanálise. Esta visão foi fundada por vários psicólogos da época, sendo o mais proeminente Carl Rogers. Esta dava um maior ênfase às experiências conscientes e à força do livre-arbítrio, algo que as suas predecessoras rejeitavam. De acordo com a aproximação Humanista, nós temos de considerar que cada pessoa possui livre-arbítrio e que são motivadas para sempre melhorarem, além de também dar ênfase à peculiaridade de cada pessoa.

Para terminar, a teoria mais aceite atualmente é a psicologia cognitiva, que surgiu entre 1950 a 1960. Este ramo da psicologia estuda como os nossos cérebros processam a informação dos processos mentais como a atenção, a memória, o uso da linguagem, criatividade, etc. Basiando-se muito na cognição (maneira de como o cérebro processa as informações sensoriais que vêm dos estímulos do ambiente que estamos e a maneira como também processa o conteúdo que retemos em relação às nossas experiências vividas) e ciência cognitiva (estudo científico da mente ou da inteligência). Basicamente a psicologia cognitiva estuda a fundo como é que as pessoas pensam e processam informação e como esta informação é traduzida no cérebro. O que é muito benéfico para todos nós, por exemplo, quando descobrimos que a atenção é limitada e temporária, podemos oferecer maneiras a pessoas com défices de atenção para melhorarem o seu foco, podemos também, através desta nova psicologia, descobrir os mecanismos por detrás da recordação de memórias no cérebro etc.

Conclusão
A história da psicologia é vasta e começa, não na fundação da disciplina em si, mas sim muito antes, uma vez que podemos interligar as várias áreas da psicologia a conceitos que surgiram há milhares de anos como a alma, o espírito, a cultura, etc.
Atualmente, mesmo tendo em conta que a psicologia cognitiva é a teoria mais aceite hoje em dia, é preciso referir que, em muitos casos, os psicólogos não se regem por apenas uma teoria, pelo contrário, retiram ideias benéficas de cada uma delas. Deste modo criam-se constantes alterações e desenvolvimentos nas teorias já existentes, o que promove o avanço da psicologia e traz a criação de novas teorias mais englobadas e próximas da realidade. Isto tudo culmina no que parece ser um futuro muito brilhante para a psicologia.